Análise do Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo nº 037/2014 de 15/05/2014 - Mª Inês Costa Pinto, nº66426

 

 Análise do Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo nº 037/2014 de 15/05/2014

Resumo do caso:

Na problemática em análise, verificamos que, face à decisão do Conselho superior dos tribunais administrativos e fiscais (CSTAF), relativo ao concurso aberto para o provimento de vagas de juiz na secção de Contencioso Administrativo do CTAS, a candidata B terminou em 1º lugar, tendo sido nomeada juíza desembargadora. “A” vem requerer, com a propositura da ação administrativa especial de impugnação de atos administrativos, a adoção da providência cautelar de suspensão de eficácia da deliberação do CSTAF.

De seguida, a requerente A pede a suspensão cautelar da deliberação do CSTAF sobre a lista de graduação do concurso e, a título subsidiário, a intimação do CSTAF para a adoção de uma conduta tendo em vista a reposição do concurso conforme a legalidade, pedindo a aplicação do artigo 121º do CPTA.

 

Elucidação do caso em apreço:

 

No presente caso, observamos que o contra interessado procurou afastar o provimento da ação em causa por força da superveniente nomeação da requerente como juíza desembargadora, resultante da abertura de duas vagas no TCA, no qual resultou o benefício dos candidatos colocados em segundo e terceiro lugar do concurso em apreço. O tribunal veio considerar improcedente a alegação da falta de interesse, com base em considerações relevantes, como a celeridade do processo de nomeação de juízes de tribunais superiores, os quais, pela especial relevância que desempenham, e por se afirmarem como órgãos de soberania, por força do artigo 110º nº1 da Constituição da República Portuguesa (CRP) devem ser exemplo de procedimento, de forma transparente e legal. Os interesses dos restantes participantes no concurso terão interesse na alegada correção da decisão do CSTAF.

No presente litígio, é importante realçar a distinção entre direitos e interesses legalmente protegidos. Segundo o Prof. Vasco Pereira da Silva devemos enveredar para uma construção do Direito público em que particulares e Estado não se apresentam como dois sujeitos distintos e com poderes de subordinação do segundo face ao primeiro, mas sim numa relação de igualdade, em que os particulares surgem em colaboração com a Administração para a prossecução do interesse público e esta, por sua vez, deve prosseguir o interesse público respeitando os direitos e interesses dos cidadãos. Todavia, isto não impede que possamos densificar dois tipos de posições de vantagem de conteúdo distinto, no qual o conteúdo e o resultado da decisão se concretizam de modo diferente, como sucede no caso em apreço. Segundo o Prof. Diogo Freitas do Amaral, o caso aqui referido diz respeito à concretização de um interesse legalmente protegido de todos os participantes no concurso, pois todos têm direito a uma decisão conforme com a lei - princípio da legalidade, que vincula toda a atividade administrativa, à luz do artigo 266º nº2 da CRP e do artigo 3º do CPA. Não obstante, a requerente A não pode vir exigir ao tribunal a sua colocação em 1º lugar, em detrimento da candidata vencedora e sem reapreciar a condição da generalidade dos concorrentes, pois estaríamos a reconhecer que a requerente teria um direito no qual esta poderia exigir ao tribunal que além de afastar o vencedor, teria de colocar a requerente nessa mesma posição, a qual o tribunal reconhece, quando vem delimitar o objeto do pedido. Apesar disso, o fundamento utilizado pelo tribunal enfoca-se na violação da margem de discricionariedade da Administração e não na distinção entre direitos e interesses legalmente protegidos.

Assim, o tribunal não estava necessariamente vinculado a colocar a requerente como vencedora do concurso, podendo anular a totalidade do concurso, realizando o interesse comum de todos os concorrentes de retirar o obstáculo ilegal à realização dos seus interesses, no caso, a nomeação da candidata B como juíza desembargadora.  Em suma, o tribunal decidiu em concordância com o direito ao negar a alegada falta de interesse em agir.

A decisão de aplicar o artigo 121º do CPTA ao caso concreto permitiu acautelar não só o interesse particular dos concorrentes, mas de igual modo a prossecução do interesse público. Isto porque, os tribunais, enquanto órgãos soberanos encarregues de administrar a justiça, devem assegurar o seu pleno funcionamento, cuja constituição e organização é definida nos termos dos artigos 215º e ss. da CRP, ou seja, o tribunal com a presente decisão acautelou plenamente ambos os interesses, conforme obriga o artigo 266º nº1 da CRP.

Em relação à apreciação da ilegalidade da deliberação do júri perante os factos que ocorreram posteriormente à entrega dos currículos, averiguamos que a requerente alega a violação do princípio da imparcialidade e da igualdade. Ambos os princípios se encontram previstos no artigo 266º nº2 da CRP, bem como nos artigos 6º e 9º do CPA. O princípio da imparcialidade justifica-se pela própria construção da Administração pública. Esta, enquanto entidade desinteressada e dirigida à prossecução de fins de interesse público, deve agir de forma desinteressada, não prejudicando os restantes interessados.

A violação do princípio da imparcialidade conduz à violação do princípio da igualdade, pois estamos perante o tratamento desigual de uma situação que deve ser tratada de forma igual. Neste sentido, o tribunal teve razão ao anular a deliberação em apreço.

 

Ponderação e tomada de posição:

 

O tribunal ao longo do acórdão manifestou o problema da decisão do júri em questão: a falta de fundamentação da classificação atribuída não só à candidata vencedora, mas também aos restantes candidatos, o que impediu o controlo da parte do tribunal das decisões tomadas no concurso, bem como do conhecimento da parte dos restantes concorrentes, dos fundamentos para a diferenciação de pontuação entre todos.

Segundo o Prof. Vieira de Andrade, a questão da fundamentação dos atos administrativos no âmbito da discricionariedade da administração não é argumento para excluir a obrigatoriedade da fundamentação. Os atos administrativos correspondem a uma formalidade necessária à validade dos atos administrativos, segundo o artigo 268º nº3 da CRP 2ª parte, e os artigos 152º e 153º do CPA.

No artigo 268º nº3 da CRP o legislador constitucional estabelece que a fundamentação dos atos administrativos que coloquem em causa os direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos devem ser devidamente fundamentados. O artigo 152º do CPA determina os atos administrativos que carecem de fundamentação, deixando o legislador margem para a lei determinar outras situações que determinem a necessidade de fundamentação do ato em questão. O artigo 153º do CPA determina os requisitos aos quais a fundamentação deverá obedecer.

Neste caso, e como já foi referido, estamos perante a afetação de um interesse legalmente protegido dos restantes candidatos, na medida em que estes conheceram uma decisão desfavorável a favor da vencedora do concurso em questão, pelo que há necessidade de fundamentação da decisão tomada pelo júri, a qual não se veio a verificar.

Na situação em apreço, a deliberação do júri em causa será anulável por vício de forma, à luz do artigo 163º nº1 do CPA. Os efeitos do presente ato serão destruídos com fundamento na sua invalidade, à luz do artigo 165º nº2 do CPA.

No que toca à discricionariedade administrativa, o prof. Diogo Freitas do Amaral reconhece a ausência de atos totalmente vinculados ou totalmente discricionários, ou seja, em toda a atuação administrativa existe sempre uma margem vinculada e uma margem discricionária. Neste sentido, no seio de um ato discricionário existe sempre uma margem vinculada. No caso concreto, ainda que exista discricionariedade na atribuição da qualificação, há uma margem de vinculação em relação à fundamentação da mesma, bem como do respeito dos critérios previamente definidos para a tomada da decisão. No âmbito das decisões discricionárias, existem três elementos fundamentais, sendo que dois são construídos pelo prof. Sérvulo Correia e o terceiro é acrescentado pelo prof. Vasco Pereira da Silva: margem de apreciação, margem de decisão e interpretação da norma jurídica. A administração, perante o caso concreto deverá apreciar, interpretar e tomar a decisão mais adequada ao caso concreto, pelo que a interpretação será um ato discricionário.

Relativamente à admissibilidade da apreciação da decisão, destacamos o princípio da legalidade, artigo 3º do CPA. Assim, a Administração encontra-se submetida a um princípio de juridicidade no qual todas as atuações administrativas devem obedecer ao bloco da legalidade, supra e infra legislativo, podendo o juiz administrativo controlar as decisões discricionárias. O artigo 71º do CPTA vem confirmar o controlo pleno da Administração pelo juiz administrativo, reservando apenas no caso à inadmissibilidade da substituição por parte do juiz em relação à atividade administrativa. Ou seja, não cabe ao STA decidir a classificação a atribuir a cada um dos concorrentes, no entanto, quando essa classificação atente contra princípios jurídico-administrativos o juiz poderá controlar essa mesma atribuição anulando a decisão do júri por violação desses mesmos princípios.

Segundo o Prof. Vasco Pereira da Silva, posição que se adota neste trabalho, é de afastar o entendimento da existência de uma reserva da Administração, na medida em que os atos discricionários podem ser controlados pelos tribunais administrativos, de forma a assegurar a plena juridicidade da atividade administrativa, como o artigo 3º do CPA realça.

 

 Bibliografia:

·        DO AMARAL, Diogo Freitas, Curso de Direito Administrativo Vol.II, 3º Edição. Almedina, Coimbra, 2016.

·        DA SILVA, Vasco Pereira, Em Busca do Ato Administrativo Perdido, Almedina, Coimbra, 1996

 

Trabalho realizado por: Mª Inês Costa Pinto, nº 66426 TB Sub 13

2022/2023

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