Simulação - 4) Universidade como modalidade de associação pública, integrante da Administração Autónoma
Face às preocupações emergentes sobre o estatuto jurídico das universidades públicas portuguesas, o presente parecer jurídico apresenta-se na sequência do pedido da Ministra da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior que tem, como finalidade ulterior, resolver a questão sobre qual será o modelo organizativo ideal onde se deverá enquadrar as universidades públicas.
Acreditamos ser este o que insere as universidades públicas na Administração Autónoma, sob forma de associação pública.
CONCEITOS INTRODUTÓRIOS
A Administração Autónoma, como modelo da organização administrativa, prossegue interesses públicos próprios das pessoas que a constituem (divergindo da administração indireta que prossegue as atribuições do Estado). Neste modelo organizativo, as suas entidades constituintes dirigem-se a si mesmas, num fenómeno de auto-administração. Os seus próprios órgãos são, portanto, os que definem, com independência, a orientação das suas atividades, sem estarem sujeitos a ordens ou instruções, nem a diretivas ou orientações do Governo.
Na sua relação com o Governo, órgão central da Administração Pública, a Administração Autónoma está sujeita apenas ao poder de tutela por parte daquele, nos termos dos artigos 199º/d), 229º/4 e 242º da Constituição da República Portuguesa. Estamos perante um mero poder de fiscalização ou controlo, que não permite dirigir nem orientar as entidades a ele submetidas, contrapondo-se à administração indireta, que depende sempre hierarquicamente do Governo e está sujeita a poderes de superintendência e em alguns casos a poderes de tutela).
A administração autónoma divide-se em territorial e não territorial, sendo que, em causa, importa mencionar a não territorial, na qual se inserem as associações públicas.
As associações públicas consistem em pessoas coletivas públicas de tipo associativo destinadas a assegurar autonomamente a prossecução de determinados interesses públicos independentes do Estado, sem qualquer fim lucrativo.
POSIÇÃO DIVERGENTE
Surge na doutrina, porém, algumas posições que negam a consideração da natureza associativa das Universidades, defendendo que estas assumem, antes, um cariz institutivo, como é o caso de DIOGO FREITAS DO AMARAL.
Por definição, os institutos públicos existem para prosseguir interesses públicos do Estado, integrando-se na administração estadual indireta, ao invés das associações públicas, como já foi referido, que existem para prosseguir interesses públicos próprios das pessoas que as constituem, integrando-se na administração autónoma.
A posição do Senhor Professor faz evidenciar uma transformação ao longo da história, onde as universidades públicas se têm visto cada vez mais estatizadas e burocratizadas, transformando-as em verdadeiros institutos públicos.
No entanto, não nos parece que esta posição seja a mais procedente face ao quadro constitucional atual.
FUNDAMENTAÇÃO DA POSIÇÃO DEFENDIDA
Ao aludir ao regime de acesso à universidade, o artigo 76º da Constituição da República Portuguesa consagra expressamente a autonomia universitária a nível estatutário, científico, pedagógico, administrativo e financeiro. De facto, e em harmonia com a Magna Carta das Universidades Europeias, a liberdade de criação cultural, na forma de criação científica e de ensino, reclama a autonomia universitária.
A favor da posição defendida encontra-se a posição de MARCELO REBELO DE SOUSA. O Senhor Professor, recorrendo ao critério do substrato, que faz distinguir uma pessoa coletiva pública associativa ou institucional, face à respetiva prevalência do elemento pessoal ou patrimonial, considera que, na generalidade das universidades, é o elemento pessoal que releva. Isto porque, apesar de estas também possuírem uma componente patrimonial adicionalmente relevante, o que prevalece não é a afetação desse património, mas sim a finalidade de realizar uma atividade científica e escolar, através da prestação de um serviço que implica a satisfação de uma necessidade coletiva (o ensino), mas que se vai refletir de uma forma individualizada, dela beneficiando pessoalmente tanto alunos como docentes e outros integrados na Universidade.
Deste modo, estamos perante uma entidade que exerce, de forma autónoma, a função administrativa e não funções estaduais, com órgãos próprios que são livremente eleitos, característica demonstrativa da sua identificação como associação pública. Autonomia esta que se impõe ao próprio Estado. Apenas perante “situações de crise” e com o objetivo de repor a normalidade institucional é que justifica uma atuação por parte do Estado, segundo o disposto do artigo 152º do Regulamento Jurídico das Instituições do Ensino Superior.
Seria este o modelo que melhor asseguraria a liberdade de expressão, de pensamento e criação cultural, cabendo a cada instituto superior de ensino a definição dos seus objetivos, métodos de ensino e avaliação, funcionamento administrativo e organização dos órgãos eleitos pela comunidade estudantil.
Esta razão de ser não parece, de todo, coadunar-se com a inserção das universidades públicas dentro da administração indireta, onde, por motivos de assegurar as necessidades educativas da população, seria a educação uma atribuição do Estado, onde extraídas ficavam dessa autonomia.
Deverá ser seguido o critério do fim personalizado. Retiramos da Constituição, nos seus artigos 73º e 74º, que cabe ao Estado-Administração garantir que o direito à educação e o direito ao ensino encontrem a sua efetivação.
No âmbito das universidades, compete ao Estado assegurar a investigação e o ensino universitário através da disponibilização de meios adequados. Contudo, não significa isto que essa responsabilidade se traduza no modo como deve ser fornecida a investigação e ensino. Segundo LORENZ, o Estado não é responsável pelo conteúdo, mas apenas por assegurar que tal necessidade coletiva é efetivamente satisfeita. Ainda assim, cabe às próprias universidades essa responsabilidade de concretização, realizada em conformidade com os seus próprios interesses, independentes do Estado.
Por fim, é de referir a posição de VASCO PEREIRA DA SILVA que, ao considerar que as universidades seguem atribuições diversas das estaduais, as integra no âmbito da Administração Autónoma. A posição defendida pelo Senhor Professor decorre da ideia de que as universidades não estão dependentes das indicações de organização do Ministério da Educação, diferentemente, por exemplo, das escolas públicas.
Este fenómeno observou-se, nomeadamente, no início da pandemia da COVID-19, na medida em que, enquanto as escolas públicas foram fechadas, como medida de contingência do vírus, por ordem do Governo, as universidades públicas escolheram o momento em que deveriam encerrar as atividades letivas presenciais. Tratou-se, evidentemente, de uma manifestação da sua autonomia organizativa.
No entanto, não devemos deixar de destacar alguns inconvenientes quanto à integração das universidades públicas na modalidade de associação pública, inserida na Administração Autónoma do Estado.
Manifestada esta posição, os professores poderiam ser considerados primariamente como funcionários públicos, ao serviço do Estado, desenvolvendo as funções que este lhes tenha atribuído.
A conceção da educação como função do Estado, tende a desconsiderar a ideia de que, professores e funcionários sejam considerados como “sócios”, para serem vistos como “meros funcionários, que desempenham os fins do Estado”, seguindo uma estrutura burocrática por ele estabelecida. Além disso, esta posição dá lugar a que os alunos possam ser tidos, não como associados, mas sim como “utentes”.
CONCLUSÃO
A título conclusivo, inserir as universidades públicas no modelo organizativo-administrativo da Administração Pública, sob forma de associação pública é o modelo ideal, que melhor garante uma entidade de ensino superior que fomenta a livre criação cultural, que permite a autoorganização das figuras competentes para melhor prosseguir o desenvolvimento e investigação académica e que assegura a necessária cooperação dos seus constituintes, professores, alunos e funcionários, que lhe dão a sua razão de ser.
BIBLIOGRAFIA:
AMARAL, Diogo Freitas, Curso de Direito Administrativo, Volume I, 4ª edição, 2015;
SOUSA, Marcelo Rebelo, Lições de Direito Administrativo, Volume I, 1999.
Por:
Constança Lagarto
Beatriz Brazão
Madalena Marques
Leonor Antunes
Rita Tomás
Pilar Palmeira
Eduardo Marques
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