Comentário ao Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, de 23 de junho de 2017, processo nº 00995/12 - Isabel Magalhães

 

Comentário ao Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, de 23 de junho de 2017, processo nº 00995/12

O acordão do Tribunal Central Administrativo Norte, de 23 de junho de 2017, processo nº 00995/12, dispõe o seguinte caso: MSV (Recorrente) impugnou a ordem de demolição, cessação e utilização, alegando vício de falta de fundamentação por violação dos artigos 151º e 153º do CPA. Destes artigos resulta claramente que no ato impugnado devem constar fundamentação, conteúdo e sentido da decisão e factos que deram origem ao ato. No entanto, o proprietário considerou que “na notificação do ato impugnado, não só são omissos os fundamentos, como também não há qualquer referência a adesão, expressa ou subentendida, a quaisquer decisões, pareceres, informações ou propostas do procedimento.

Apesar de neste acordão serem suscitadas várias questões administrativas relevantes, vou-me focar na fundamentação do ato administrativo em causa, ou o vício de fundamentação.

O dever de fundamentação no nosso ordenamento jurídico tal como no ordenamento Francês e no Alemão não é generalizada para todos os atos administrativos, mas restringe-se para uma categoria de atos. A ideia de impor um dever de fundamentação está ligada à ideia de atos administrativos ablativos de direitos e interesse dos particulares. Por outro lado, no ordenamento Italiano deparamo-nos com um dever de fundamentação de todos os atos administrativos.

No art. 152º do CPA estão enumerados os atos administrativos que têm como requisito de validade a sua fundamentação. Entre estes atos que têm como requisito a fundamentação, estão os que total, ou parcialmente, “neguem, extingam, restrinjam ou afetem por qualquer modo direitos ou interesses legalmente protegidos”. Também no art. 268 º, número 3, da CRP, consagra que os atos administrativos “carecem de fundamentação expressa e acessível quando afectem direitos ou interesses legalmente protegidos”.

O dever de fundamentação visa criar uma administração mais transparente e acessível para todos os indivíduos, bem como garantir o cumprimento do controlo da legalidade e da juridicidade da atividade administrativa. Quanto à fundamentação, o professor Freitas de Amaral refere que os atos administrativos que carecem de fundamentação são anuláveis por ocultarem elementos necessários à compreensão do ato pelos seus destinatários. [1]No entanto, o professor considera que este não tem natureza de direito fundamental ou de garantia de direitos fundamentais. Por outro lado, o professor Sérvulo Correia considera que existe um direito fundamental à fundamentação, e que por isso seria inconstitucional a sua derrogação.

Segundo o art. 153º do CPA, a fundamentação tem de preencher certos requisitos: ser expressa, tem de consistir numa exposição, ainda que sucinta, dos fundamentos de facto e de direito da decisão. No entanto, a boa fundamentação nunca vai poder ser algo totalmente objetivo, tendo sempre aspectos subjetivos. Deste modo, já há vários acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo sobre este assunto.

Do Acórdão da 1ª secção do STA de 24 de novembro de 1994 e o Acórdão do STA (Pleno) de 25 de maio de 1993, pode retirar-se que o dever de fundamentação exigido se encontra cumprido quando o destinatário normal, colocado na posição do interessado em concreto, atenta todas as suas circunstâncias, designadamente as suas habilitações literárias e o tipo legal de ato, não tenha dúvidas razoáveis acerca dos motivos que determinaram a decisão. Por último, a fundamentação tem de ser clara, coerente e completa, neste sentido, o Supremo Tribunal Administrativo tem entendido que uma fundamentação completa não tem de ser extensivamente detalhada, mas sim suficiente.

Neste caso, para se aferir se o dever de fundamentação foi cumprido é necessário verificar o destinatário da decisão pôde ficar ciente do sentido da decisão e das razões que a sustentam. No acórdão de 27/05/2003, refere que o ato se considera justificado se seguir as seguintes condições:

A primeira é a de que se possa afirmar, inequivocamente, perante os dados objetivos do procedimento, qual foi o quadro jurídico tido em conta pelo ato;

- A segunda é a de que se possa concluir que esse quadro jurídico era perfeitamente conhecido ou cognoscível pelo destinatário, hipnotizando-se que o seria por um destinatário normal na posição em concreto em que aquele se encontra.

A segunda condição não funciona sem a primeira, pois esta integra-a. Se não se sabe qual o quadro jurídico efetivamente tido em conta pelo ato, jamais pode ser realizada; e, por isso, é irrelevante que o destinatário possa saber, e até saiba qual, o quadro jurídico que deveria ter sido considerado.” Ora, no caso presente, encontram-se as condições exigidas.

 

O acordão encontra-se no seguinte site: http://www.dgsi.pt/jtcn.nsf/89d1c0288c2dd49c802575c8003279c7/a6a22f5c4bf2744a802581b600589f7d?OpenDocument&Highlight=0,processo,n%C2%BA,00995%2F12

Isabel Magalhães

Turma B

Subturma 13



[1] Freitas do Amaral, Curso de Direito Administrativo, p.280.

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