Tipos de controlo exercidos sobre a administração indireta sob forma pública e sobre a administração indireta sob forma privada - Dânia Marques

 Numa introdução primordial ao tema, temos que o Estado, cada vez mais, prossegue uma maior diversidade de fins. Maior parte dos fins do Estado são prosseguidos de forma direta, ou seja, pela própria pessoa coletiva a que chamamos Estado. No entanto, outras atribuições são prosseguidas de forma indireta, são prosseguidas por outras entidades que não o Estado, a quem o mesmo confia a realização dos seus próprios fins - a administração estadual indireta. A administração indireta é o conjunto de entidades públicas que desenvolvem, com personalidade jurídica própria e autonomia administrativa, uma atividade administrativa destinada à realização de fins do Estado. 

            No direito português, há várias entidades que pertencem à administração estadual indireta, tratando-se fundamentalmente dos institutos públicos e das empresas públicas. 

 

            O instituto público é uma pessoa coletiva pública, de tipo institucional (assenta sobre uma organização de caráter material), criada para assegurar o desempenho de determinadas funções administrativas (determinadas, ou seja, não pode abranger uma multiplicidade genérica de fins) de caráter não empresarial (ao contrário das empresas públicas), pertencentes ao Estado ou a outra pessoa coletiva pública. É, portanto, dotado de personalidade jurídica - as principais espécies de institutos públicos baseiam-se nos serviços personalizados, nas fundações públicas e nos estabelecimentos públicos. 

Estão sujeitos a uma intervenção do Governo bastante apertada, que se traduz nomeadamente em poderes de superintendência e de tutela administrativa (41º e 42º).  

 

As empresas públicas correspondem a “organizações económicas de fim lucrativo, criadas e controladas por entidades jurídicas públicas” (cfr. Freitas do Amaral). 

Em Portugal, as empresas públicas aplicam, em princípio, na sua atividade, o direito privado (princípio da gestão privada), embora o traço caraterístico das mesmas seja a sujeição legal ou estatutária da empresa ao controlo da Administração Pública.

            O Decreto-Lei n.º 133/2013, de 3 de outubro, distingue três espécies de empresas que dele fazem parte: as empresas públicas sob forma privada (sociedades controladas pelo Estado, dotadas de personalidade jurídica privada), as empresas públicas sob forma pública (são pessoas coletivas públicas, dotadas de autonomia patrimonial, com personalidade jurídica pública, também chamadas de “empresas públicas empresariais”) e as empresas privadas participadas pelo Estado (não são empresas públicas, mas integram igualmente o SEE).  

Este diploma trouxe um reforço dos poderes de intervenção do Governo na gestão financeira das empresas, em especial do Ministro das Finanças, com o objetivo de controlar o problema do forte endividamento das empresas públicas (a lei atribui ao titular da função acionista, o Ministro das Finanças, o poder de definir a concreta configuração dos órgãos de administração e fiscalização). 

A par disto o Governo tem, por lei, poderes de definição das orientações estratégicas por resolução do Conselho de Ministros, 

            A constituição de uma empresa pública depende da autorização do Ministro das Finanças e do Ministro responsável pelo setor de atividade da empresa. A este respeito, cumpre dar nota do parecer dado pela Unidade Técnica de Acompanhamento e Monitorização do Setor Público Empresarial. A extinção das empresas públicas faz-se nos termos da lei comercial para as sociedades ou, no caso das empresas públicas empresarias, mediante decreto-lei. 

            A lei prevê regras específicas de Direito Administrativo relativas à composição e funcionamento dos órgãos de administração e fiscalização das empresas públicas. Referente a este facto, podemos constatar que quanto à designação dos administradores das empresas públicas esta é feita por deliberação do Conselho de Ministros (32º/4). O conselho de administração integra sempre um elemento proposto pelo Ministro das Finanças (31º/3). No órgão de administração é ainda obrigatória a presença de representantes da Direção-Geral do Tesouro e Finanças (32º/3). As funções de fiscalização são assumidas por um conselho fiscal, devendo um dos membros ser designado sob proposta da DGTF. 

            Em suma, os órgãos das empresas públicas dispõem de autonomia de gestão, mas têm de conformar-se com os objetivos fixados pelo Governo.

 

             Assim, as empresas públicas, tal como os institutos públicos, estão sujeitas à intervenção do Governo, que reveste as modalidades da superintendência (poderes de orientação) e da tutela (poderes de fiscalização), uma vez que ao contrário das autarquias locais não são independentes, apenas gozam de autonomia. O artigo 11º do Decreto-Lei n.º 133/2013, de 3 de outubro, refere que a finalidade principal da intervenção do Governo é “definir a orientação estratégica de cada empresa pública” - definir os objetivos a atingir e os meios e modos a empregar para atingi-los. 

             Estamos perante relações entre órgãos de pessoas coletivas diferentes ou “relações intersubjetivas” tanto na superintendência como na tutela. As entidades que exercem administração indireta, na qual surgem os institutos públicos e as empresas públicas por devolução de poderes, estão sujeitas à tutela administrativa e à superintendência. 

            A distinção entre tutela administrativa e superintendência tem como base legal o artigo 199.º da Constituição, que refere o seguinte: “Compete ao Governo, no exercício de funções administrativas: (...) d) (...) superintender na administração indireta e exercer a tutela sobre a administração autónoma”.

 

A relação de tutela administrativa entre duas pessoas coletivas públicas determina que os atos praticados pelos órgãos da pessoa tutelada se encontrem sujeitos à interferência de um órgão da entidade tutelar, com o propósito de assegurar a legalidade ou o mérito da sua atuação (cfr. João Caupers). 

Segundo o Professor Freitas do Amaral, a tutela administrativa pressupõe a existência de duas pessoas coletivas distintas (uma é necessariamente uma pessoa coletiva pública) e refere que os poderes da mesma são poderes de intervenção na gestão de uma pessoa coletiva. Além disto, podemos acrescentar o facto de as relações de tutela terem de resultar da lei (“a tutela não se presume”) e os atos através dos quais se exerce a tutela podem ser impugnados pela entidade tutelada.

 

A tutela administrativa é suscetível de classificação segundo dois critérios principais: 

a)     Quanto ao objeto - tutela de legalidade (apurar se essa decisão é ou não é conforme a lei) e a tutela de mérito, que pode incidir sobre a oportunidade e a conveniência da atuação administrativa (242º/1 CRP)

b)     Quanto ao exercício - tutela integrativa ou corretiva (poder de autorizar ou aprovar atos), tutela inspetiva (poder de fiscalizar), tutela sancionatória (pode se aplicar sanções), tutela revogatória (poder de revogar atos administrativos, sendo que só excecionalmente existe na tutela administrativa este poder) e tutela substitutiva (poder de suprir omissões). 

 

Quanto à natureza da tutela administrativa podemos distinguir três teses diferentes: 

1.     tese da analogia com a tutela civil - tutela administrativa seria no fundo uma figura bastante semelhante à tutela civil e visaria, portanto, suprir as deficiências orgânicas ou funcionais das entidades tuteladas 

2.     tese da hierarquia enfraquecida, defendida por Marcello Caetano - a tutela administrativa é como uma hierarquia enfraquecida (os poderes tutelares são no fundo poderes hierárquicos enfraquecidos, porque se exercem sobre entidades autónomas) 

3.     tese do poder de controlo, defendida pelo Professor Freitas do Amaral - remete para a ideia de um poder de controlo exercido por um órgão da Administração sobre certas pessoas coletivas sujeitas à sua intervenção, para assegurar o respeito de determinados valores considerados essenciais.

 

Cumpre-nos agora elucidar ao que se refere o conceito de superintendência. Estabelecendo-se a relação de superintendência entre duas pessoas coletivas públicas conferindo aos órgãos de uma delas os poderes de definir os objetivos e orientar a atuação dos órgãos da outra. A superintendência também não se presume, ou seja, tem que estar consubstanciada na lei. Os instrumentos típicos da superintendência são as diretivas (impõem objetivos, mas deixam liberdade quanto aos meios para os atingir) e as recomendações (conselhos, acompanhadas de um convite para agir num certo sentido). 

            Marcello Caetano explicitava o poder de superintendência como um poder típico da hierarquia. No entanto, depois da revisão constitucional de 1982, a ideia de superintendência deixou de aparecer ligada à ideia de hierarquia, passando esta a referir-se ao poder de definir a orientação da atividade a desenvolver pelas pessoas coletivas publicas que exerçam formas de administração indireta.

 

Relativamente à natureza da superintendência podemos distinguir três teses: 

a)     como tutela reforçada - refere a superintendência como a modalidade mais forte da tutela administrativa

b)     como hierarquia enfraquecida - explicita o poder de orientação como se não mais do que um “enfraquecimento” do poder de direção 

c)     como poder de direção, à qual o professor Freitas do Amaral alude - a superintendência corresponde a um tipo autónomo, situado entre a tutela e a hierarquia


Em suma, a superintendência é um poder mais forte do que a tutela administrativa, já que a primeira orienta,

enquanto a segunda apenas controla. 

 

 

BIBLIOGRAFIA:

o   Freitas do Amaral, D. (2016). Curso de Direito Administrativo - Volume I. Coimbra. Edições Almedina, SA. pp. 297-358 e 729-747

o   Rebelo de Sousa, M.; Salgado de Matos, A. Direito Administrativo Geral, Introdução e princípios fundamentais - Tomo I. Lisboa. Dom Quixote. pp. 38 ,80, 81, 82

o   Caupers, J. Introdução ao Direito Administrativo. Lisboa. Âncora Editora. pp. 119-121, 123-134 e 169-171

o   Tavares, J. (2007). Administração Pública e Direito Administrativo. Coimbra. Edições Almedina SA. pp 47, 50, 66-68

o   Gouveia Andrade, M.P. (2009). Prática de Direito Administrativo - Questões Teóricas e Hipóteses Resolvidas. Lisboa. Quid Iuris? - Sociedade Editora LD.ª. pp. 29, 32, 35 e 36

o    Aulas teóricas

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