Administração Direta e Indireta do Estado - poderes de superintendência e tutela

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O Acórdão supramencionado releva para o estudo da organização administrativa portuguesa, com foco na administração indireta e na sua relação com a administração direta do Estado.  Neste caso, a análise desses aspetos será feita relativamente a uma Entidade pública empresarial (E.P.E). 


Este acórdão trata de um recurso interposto por um médico gastroenterologista (A), em relação a um despacho da Ministra da Saúde, de 16/09/2000, que negava provimento ao recurso hierárquico interposto de um despacho do Inspetor-Geral de Saúde, que determinava a reposição, pelo recorrente, da quantia de 7.998.509.00 Escudos, no âmbito de um “Acordo de Prestação Funcional Extraordinário no âmbito da Gastroenterologia”. A fundamentação para o recurso, como aponta a Magistrada do Ministério Público, passa pela alegação de três vícios, a mencionar: vício de incompetência, vício de falta de fundamentação e vício de violação de lei. Dos quais irei desenvolver apenas o primeiro. 

Em primeiro lugar, importa clarificar alguns aspetos relativamente à arquitetura institucional que põe em marcha as ações necessárias ao cumprimento do objetivo fundamental da função administrativa, a satisfação do interesse público. No âmbito da administração estadual (considerando que existe a administração autónoma, separada deste setor devido aos interesses próprios), temos a administração direta e indireta. Relativamente à primeira, a qual inclui todos os órgãos administrativos que, estando integrados no interior da pessoa coletiva pública Estado, se encontram hierarquicamente dependentes do Governo e, por isso, sujeitos aos respetivos poderes de direção. Por outro lado, sabemos que o Estado não é a única pessoa que, atualmente, se ocupa da prossecução do interesse público. Existem outras pessoas, que não o Estado, mas por este criadas, que também têm finalidades de natureza pública, e fazem estas pessoas parte da administração indireta do Estado.  Segundo o professor Freitas do Amaral, de um ponto de vista subjetivo, a Administração Indireta do Estado define-se como “o conjunto das entidades públicas que desenvolvem, com personalidade jurídica própria e autonomia administrativa, ou administrativa e financeira, uma atividade administrativa destinada à realização de fins do Estado”. Segundo o mesmo autor, esta seria, do ponto de vista material, definida como “uma atividade administrativa do Estado, realizada, para a prossecução dos fins deste, por entidades públicas dotadas de personalidade jurídica própria e de autonomia administrativa ou financeira”. Neste setor estão incluídas dois tipos de pessoas coletivas públicas: os institutos públicos e as entidades públicas empresariais. 

No caso que encontramos no já referido Acórdão do STA, de 27/05/2009, relativo ao processo nº 0182/09, está em causa uma E.P.E., mais concretamente, um Hospital sob a forma de E.P.E.
Nas palavras da professora Ana Raquel Gonçalves Moniz, as Entidades públicas empresariais constituem pessoas coletivas públicas, de natureza empresarial, dotadas de autonomia administrativa, financeira e patrimonial criadas, através de decreto-lei, pelo Governo. Durante o litígio aqui em causa, sobre as E.P.E.’s e, em geral, sobre o setor empresarial do Estado, vigorava o Decreto-Lei (DL) nº 558/99, de 17 de Dezembro.

De seguida, importa também analisar a posição da Ministra da Saúde e do Inspetor-Geral de Saúde, em relação ao Hospital E.P.E. aqui em causa. Como sabemos, o Governo é o órgão superior da administração pública, de acordo com o artigo 182º CRP, pelo que se insere na Administração Direta e Central do Estado, uma vez que exerce as suas competências em toda a extensão do território nacional e se insere dentro do próprio Estado, enquanto pessoa coletiva. Os Ministros integram o Governo e são responsáveis por ministérios, o que resulta do artigo 183.º da CRP. A Ministra da Saúde dirige o Ministério da Saúde (artigo 201º/2, alínea a), CRP).

Em relação ao Inspetor-Geral, este é um órgão da Inspeção-Geral dos Serviços e Saúde (IGSS), como postula o artigo 4º/1 do DL nº 312/87, de 18 de Agosto. O mesmo diploma estabelece, no artigo 1º/1, que a IGSS é um órgão do Ministério da Saúde. Assim, a IGSS também faz parte da Administração Direta do Estado. Estabelece-se uma relação de hierarquia entre a Ministra da Saúde e o Inspetor-Geral, a qual se caracteriza essencialmente pela existência de um poder de direção por parte do superior, a que corresponde o dever de obediência do subalterno. 

Iniciando agora a análise do acórdão propriamente dito: 
O "A” alega que “só os mesmos Órgãos de Gestão daquele Hospital têm competência para determinarem a reposição de quaisquer quantias que entenda terem sido, indevidamente, pagas no âmbito da sua execução atenta a autonomia administrativa e financeira de que goza o respectivo Hospital, face à lei de Gestão Hospitalar (Cf. D.L. n° 19/88 de 4 de Janeiro, na sua redacção actual e D.R. 3/88 de 22 de Janeiro)”, pelo que a sanção que lhe foi aplicada pelo Inspetor-Geral do IGSS não o poderia ter sido, por falta de competência e diz ainda que tal não obsta à circunstância de o Ministro da Saúde ter poder de tutela sobre os hospitais. 
Contra-alega a Ministra da Saúde referindo que “a reposição das quantias devidas foi apurada em sede de procedimento disciplinar pela então Inspecção-Geral dos Serviços de Saúde que é um órgão central do Ministério da Saúde” e que o IGSS enquanto órgão fiscalizador e disciplinar, tem por objeto assegurar o cumprimento das leis e regulamentos em todos os serviços e estabelecimentos dependentes do MS ou sujeitos à sua tutela, tendo em vista o bom funcionamento dos serviços, a defesa dos legítimos interesses e bem-estar dos utentes, a salvaguarda do interesse público e a reintegração da legalidade violada”. Além de que a “reposição foi determinada por se haver demonstrado no procedimento disciplinar que o recorrente recebeu as quantias ora a repor, com fundamentos disciplinarmente censuráveis e ilícitos”. 
Em virtude do factos apresentados, importa mencionar que o Acórdão começa por referir que os hospitais são pessoas coletivas de direito público, dotadas de autonomia administrativa e financeira, que fazem parte da administração indireta estadual. E, por isso, a Ministra da Saúde tem, sobre estas pessoas coletivas públicas, o poder de tutela e superintendência, ao abrigo do artigo 199.º, alínea d) da CRP. Estes poderes traduzem-se no controlo da legalidade ou do mérito da atuação das entidades que integram a administração indireta e, também na possibilidade de o Governo emitir orientações. Além disso, o acórdão menciona ainda o artigo 3.º, nº3 que atribui ao Ministro da Saúde a competência para “ordenar inspeções e inquéritos ao funcionamento dos hospitais”. 

Assim, podemos concluir que se a Ministra da Saúde pode ordenar inspeções e inquéritos ao funcionamento dos hospitais, então, caso sejam detetadas este tipo de irregularidades, também poderá desencadear os processos disciplinares necessários, cabendo-lhe também, tendo em conta o mesmo fundamento, impor a sanção. Sendo a IGSS, como já se referiu, um órgão fiscalizador e disciplinar que exercer a sua ação “em todos os serviços e estabelecimento dependentes do Ministério da Saúde ou sujeitos à sua tutela” (
artigo 1º/2 DL nº 312/87, de 18 de Agosto), e nos termos do artigo 6.º, nº2, alínea e) deste mesmo diploma, a competência para aplicar a sanção em causa pertence ao Inspetor -Geral de Saúde. 

Verifica-se, então, que o STA decidiu corretamente ao considerar improcedente a alegação feita por A, quanto à existência de um vicio de incompetência por parte do Inspetor-Geral de Saúde,  o que efetivamente não aconteceu. 

Bibliografia: 
Curso de Direito Administrativo, Diogo Freitas do Amaral 
Direito Administrativo, Ana Raquel Gonçalves Moniz


Rita Messias Tomás 
Subturma 13 
Turma B 

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