A GARANTIA DA IMPARCIALIDADE NO DIREITO ADMINISTRATIVO | Eduardo Marques, Subturma 13, Turma B

 

A representação imagética de Justiça é famosamente feita através de uma figura humana que, além de segurar uma balança equilibrada, simbolizando a igualdade, tem os olhos vendados, justiça cega, constatando que, para uma decisão justa, o terceiro a que caberá proferi-la não deve fazê-lo em função de amizade ou falta desta para com alguma das partes envolvidas. A justa decisão manifesta-se no princípio administrativo da imparcialidade, positivado no artigo 6º do Código de Procedimento Administrativo (doravante CPA), onde a Administração Pública deverá fundar a sua decisão sob os parâmetros da prossecução do interesse público, para o qual foi constitucionalmente legitimada (266º/1 da Constituição da República Portuguesa), sendo-lhe proibida a imiscuição com interesses pessoais dos envolvidos na proferição da decisão administrativa. Esta isenção e equidistância divide-se em vertente negativa, que proíbe que a decisão administrativa seja fundada em interesses que não sejam irrelevantes para a decisão e a vertente positiva, que impõe à administração a ponderação de todos os interesses, públicos e privados, que, consoante o fim legal que estará a ser obtido, sejam relevantes para a decisão concreta.

É um princípio de vasta importância, principalmente quando considerado no escopo da pretensão do Direito Administrativo de, além de direcionar-se na prossecução do interesse público, assegurar os direitos e interesses dos administrados. O princípio da imparcialidade é fulcral na obtenção de um procedimento justo e equitativo para os interessados. A Administração Pública deverá preservar e acautelar a posição paritária dos cidadãos.

A mera evocação do princípio da imparcialidade incorre de alguns problemas de cariz prático, principalmente na prossecução da vertente negativa da imparcialidade. Situações de atuação administrativa parcial, se regradas meramente pela abstração característica dos princípios jurídicos, seriam verdadeiramente difíceis de provar. Esta condicionante é ainda mais acrescida pelo facto de estar em causa situações relativas das pessoas singulares inseridas na qualidade de agentes ou órgãos administrativos. Para colmatar a mencionada dificuldade, o CPA socorre-se de garantias preventivas da imparcialidade.

Repare-se no acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 23-4-2003, Processo 651/03. Na sequência de um concurso público, um dos membros do júri, veio a saber-se, era um dos acionistas de uma das empresas concorrentes, pelo que, naturalmente, teria um interesse privado imbuído no processo decisivo, que colocaria em causa a igual e justa oportunidade de todos os que no concurso participaram. Diz-se “naturalmente”, porém a parcialidade, como já foi mencionado, é difícil de provar. De modo a suprir a dificuldade, o CPA discorre de indicadores objetivos de atuação parcial: quando verificada uma das situações do artigo 69º/1, há um impedimento por atuação parcial do envolvido, salvo exceção em contrário (presentes no número 2 do mesmo artigo). O membro do júri enquadrava-se na alínea a), pelo que ficaria tingido o seu ato, antes ou após o conhecimento de quem são os concorrentes envolvidos, de invalidade.

Estes indicadores objetivos do artigo 69º/1 implicam o impedimento absoluto do agente ou titular do órgão. Resulta desta constatação que, assim que ocorrem os factos que foram determinantes para a verificação do impedimento, ocorre este automaticamente (artigo 71º/1 do CPA). Além disso, o envolvido ficará, até ver, impedido de praticar qualquer ato que pertença ao procedimento administrativo (artigo 69º/1 do CPA). Finalmente, os atos em que os agentes ou titulares de órgãos impedidos tenham intervindo carecem de ilegalidade e anulabilidade (artigo 76º/1 do CPA). No acórdão mencionado, acrescenta-se, o membro do júri teria, também, a obrigação de comunicar (no caso, ao presidente do júri) o seu impedimento (artigo 70º/1 do CPA), sob pena de se constituir falta grave para efeitos disciplinares, nos termos do artigo 76º/2 do CPA.

Este dever de comunicação do facto impediente ao qual o envolvido se encontra impelido a comunicar pressupõe o prévio conhecimento da causa de impedimento com relação à intervenção do órgão ou agente da Administração no procedimento administrativo.

Mais do que uma mera invalidade, questiona-se a possibilidade de a violação da imparcialidade consubstanciar, também, a própria contrariedade à constitucionalidade. O membro do júri, colocado numa posição decisiva, poderá, por força do circunstancialismo de ser acionista de uma das empresas que concorre ao concurso, proferir a opinião inquinada e, assim, preferir esta empresa na tomada de decisão. A verificação desta ocorrência seria de extrema injustiça e iniquidade para com os outros concorrentes, prejudicados por este ato. No fundo, além do próprio princípio da imparcialidade, objeto de estudo no presente comentário, esta decisão do membro do júri estaria a embater contra a observação do princípio da igualdade. Tanto o princípio da imparcialidade como o princípio da igualdade são imperativos constitucionais, garantidos pela positivação do artigo 266º/2 da Constituição da República Portuguesa. Sendo decorrentes de imperativos constitucionais, poderia o princípio da imparcialidade consubstanciar um direito fundamental análogo e o ato que o viole ferido de inconstitucionalidade.

 

Eduardo Marques

Subturma 13

Turma B

 

 

 

BIBLIOGRAFIA

DIOGO FREITAS DO AMARAL, Curso de Direito Administrativo, Almedina, 2011, pp 152 e ss

MARCELO REBELO DE SOUSA/ ANDRÉ SALGADO DE MATOS, Direito Administrativo Geral, Tomo I, Dom Quixote, pp. 209 e ss

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