A Centralização e a Descentralização no Direito Administrativo

 Aluno: Hugo Renato Pereira dos Santos, número 66325



A centralização e a descentralização no Direito Administrativo

 

               A centralização e a descentralização são conceitos que variam consoante o plano em que se enquadram. Nesta medida, estas definições têm sentidos diferentes na medida em que se colocam no plano jurídico ou no plano jurídico-administrativo.

               Em termos jurídicos, um Estado “centralizado” é aquele em que todas as atribuições administrativas são conferidas, por lei, a esse mesmo Estado, não existindo a atribuição de competências administrativas a outras pessoas coletivas públicas. Nesta medida, o Estado “descentralizado” é aquele em que a atividade administrativa é confiada mais ou menos parcialmente a outras pessoas coletivas públicas, em que se destacam, sobretudo, as autarquias locais, que são pessoas coletivas territoriais. 

               Numa noção político-administrativa, a centralização e a descentralização assumem contextos distintos. Isto significa que, mesmo quando juridicamente existe uma descentralização, se as autarquias estiverem sob a obediência direta do Governo ou, em regimes autoritários e autocráticos, ao partido único e/ou ao líder da Nação. Neste contexto, a descentralização político-administrativa ocorre quando estes órgãos em questão são eleitos livremente pelas populações, não podendo estar, de forma alguma, sob a alçada do Governo.

               Desta maneira, é possível apontar que os conceitos de centralização e descentralização no sentido jurídico são conceitos puros ou absolutos, na medida em que não podem coexistir. Por sua vez, no sentido político-administrativo, os conceitos são relativos, uma vez que, de um posto de vista de prática política, cenários de subordinação e de autonomia podem ocorrer simultaneamente. De acordo com o Professor Diogo Freitas do Amaral, a descentralização jurídica pode ser um véu jurídico que disfarça a realidade político-administrativa, tendo-se como exemplo a própria Constituição da República Portuguesa de 1933. Na atualidade, muitos países, inclusive no continente europeu, uma descentralização jurídica insere-se num contexto político de centralização.

               A centralização e a descentralização têm vantagens e desvantagens no que toca à eficiência da atividade da Administração Pública. Do ponto de vista teórico, a centralização assegura, à partida, de melhor forma a unidade do Estado, promove a homogeneidade política, social e económica e garante a maior cooperação no exercício da atividade administrativa. No entanto, a centralização também acarreta inúmeras contrapartidas, uma vez que se alimenta o gigante do poder central. Dentro das desvantagens, contam-se a hipertrofia do Estado, a ineficácia da atividade administrativa, o aumento dos custos financeiros, a afetação da vida democrática local e das liberdades e tradições, bem como a própria burocracia excessiva, tendo em conta que tudo se subordinaria ao poder central. Naturalmente, daqui, decorrem os pontos positivos da descentralização. Em primeiro lugar, a descentralização promove as já citadas democracia e liberdades locais, contribuindo para um sistema pluralista da Administração Pública. O poder local é, segundo Freitas do Amaral, um verdadeiro limite ao absolutismo político. A descentralização fomenta igualmente a participação dos cidadãos, um dos grandes objetivos do Estado Moderno previsto no artigo 2º da Constituição da República Portuguesa, ao mesmo tempo que proporciona medidas mais eficazes em termos de custo-eficácia. Não obstante, a descentralização implica alguns inconvenientes, tendo-se como exemplo a descoordenação na atividade administrativa, a possibilidade de maus usos no poder discricionário da Administração, motivados por falta de preparação em algumas localidades. Pelas razões aqui expostas, hoje em dia, o debate sobre a descentralização dá-se no campo político-administrativo, num sistema jurídico garantidamente descentralizado. Em Portugal esse debate é também ambíguo. O número 1 do artigo 6º da Constituição da República Portuguesa refere a unidade do Estado e a subsidiariedade da autonomia das autarquias locais. No mesmo sentido, incorre o número 2 do artigo 267º, que dita que o sistema administrativo português tem de ser descentralizado, pelo que o debate se centra também na realidade político-administrativo.

               A descentralização divide-se em espécies. Em termos formais, a descentralização pode ser territorial, institucional e associativa. A descentralização territorial justifica a existência de autarquias locais, a institucional, que dá origem aos institutos públicos e às empresas públicas e a descentralização associativa, aquela que está por detrás das associações públicas. Do ponto de vista das terminologias, por descentralização em sentido estrito entende-se a descentralização territorial, de acordo com o Professor Diogo Freitas do Amaral. Quanto aos graus, a descentralização, do ponto de vista jurídico, pode consistir na simples atribuição de personalidade jurídica de direito privado, sendo esta a descentralização privada, na atribuição de personalidade jurídica de direito público e na atribuição de autonomia administrativa, financeira e faculdades regulamentares. A centralização administrativa começa verdadeiramente na atribuição de personalidade jurídica de direito público. Ainda, a atribuição de competências legislativas próprias recai no âmbito da descentralização política. 

               O fenómeno jurídico-político da descentralização tem de ser submetido a limites, devido à consagração constitucional da unidade do Estado. A descentralização ilimitada levaria à destruição do Estado e a violações de princípios democráticos e dos interesses dos particulares. Os limites podem ser relativos aos poderes das entidades descentralizadas, ao limite da quantidade de poderes transferíveis para estas entidades e ao limite do exercício dos poderes transferidos. Quanto ao primeiro tipo, quando a lei delimita as competências de uma autarquia local, estabelece limitações à descentralização. O princípio da legalidade constitucionalmente estabelecido fixa outro limite à descentralização, bem como a imposição pelo respeito dos direitos dos particulares. Em relação ao segundo tipo, o artigo 267º, nº2, da Constituição estabelece que a transferência dos poderes não pode por em causa a unidade do Estado. No terceiro tipo, conta-se a intervenção do Estado na gestão dos municípios, em que existe, por exemplo, a tutela administrativa, de relevante importância.

               O Professor Diogo Freitas do Amaral define a tutela administrativa como o conjunto de poderes de intervenção de uma pessoa coletiva pública na gestão de outra pessoa coletiva, a fim de assegurar a legalidade ou o mérito da sua ação. Deste modo, a tutela administrativa exige a existência de duas pessoas coletivas distintas, em que uma é pública e responsável por tutelar a outra. A entidade tutelada pode ser uma pessoa coletiva de direito privado. Neste contexto, os poderes de tutela administrativa são poderes de intervenção na gestão de uma pessoa coletiva, tendo em conta que o fim deste mecanismo jurídico é o de assegurar, em nome da entidade tutelar, que a entidade tutelada cumpra as leis em vigor e garantir que o interesse público seja garantido.

               É igualmente relevante distinguir a tutela administrativa de figuras jurídicas afins. Primeiramente, a tutela não se confunde com a hierarquia, uma vez que esta última é um modelo de organização interior de uma pessoa coletiva. Distingue-se, de igual modo, dos órgãos de controlo jurisdicional da Administração, como, por exemplo, o Tribunal de Contas. A tutela também é diferente dos controlos internos da Administração, tais como a obrigatória sujeição ou autorização por parte de órgãos da mesma pessoa coletiva.

               A tutela administrativa diferencia-se também na medida do fim e do conteúdo. Relativamente ao fim, a tutela de legalidade visa controlar a legalidade das decisões e a tutela de mérito visa supervisionar o mérito das decisões administrativas da entidade tutelada. O mérito da decisão, independentemente da legalidade, diz respeito aos critérios que avaliam se uma decisão da entidade tutelada é, ou não, adequada ou pertinente. Na atual redação do 242º, nº1 da Constituição, o Governo tem apenas poderes de tutela legal sobre as autarquias, detendo, ainda, tutela de mérito perante os institutos públicos e as empresas públicas. No plano do conteúdo, a tutela integrativa aprova atos da entidade tutelada. Quando o ato é aceite, estamos perante uma execução do ato e quando o mesmo é recusado, estamos perante um veto. A tutela inspetiva é o poder de fiscalização dos órgãos, serviços, documentos e contas da entidade tutelada. Os chamados “serviços inspetivos” são responsáveis por fazer esta fiscalização no seio da Administração Pública. A tutela sancionatória constitui a faculdade de aplicar sanções em caso de irregularidades detetadas no seio da atividade da entidade tutelada. A tutela revogatória é a possibilidade de revogar atos administrativos praticados pela entidade tutelada e, por fim, a tutela substitutiva permite que a entidade tutelar suprima as omissões da tutelada, por conta e no lugar da mesma, relativamente a atos legalmente devidos. A tutela administrativa, ainda, não se presume, pelo que está sujeita ao princípio da legalidade. A entidade tutelar tem o direito, à luz do artigo 55º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, de impugnar os atos que prejudiquem a entidade tutelada junto dos tribunais administrativos.

               A natureza jurídica da tutela administrativa levanta um problema que tem levado a uma complexa reflexão doutrinal. A tese da analogia com a tutela civil dita que a tutela administrativa seria semelhante à civil, tendo o objetivo de suprir certas incapacidades e de remediar deficiências orgânicas e funcionais e ilegalidades cometidas por entidades “menores” na hierarquia administrativa. A tese da hierarquia enfraquecida, defendida pelo antigo líder do Estado Novo Marcello Caetano, estabelece que os poderes hierárquicos seriam no fundo poderes enfraquecidos, na medida em que se exercem sobre entidades autónomas e não subalternas. A tese do poder de controlo crê que a tutela administrativa constitui uma figura sui generis, correspondendo à ideia de que a Administração intervém em entidades autónomas para assegurar a prossecução de certos valores considerados como fundamentais.

               Em suma, a centralização e, por conseguinte, a descentralização são importantes conceitos jurídicos e políticos que fortemente influenciam um sistema democrático. Nesse sentido, o Direito Administrativo tenta regular esta realidade, de forma a garantir a defesa da democracia, da legalidade e dos direitos dos cidadãos, pretendendo, ao máximo, promover a maior eficácia administrativa e, simultaneamente, garantir o Estado unitário, estável e democrático.

 

Bibliografia:

AMARAL, Diogo Freitas do, Curso de Direito Administrativo, ALMEDINA

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