Ato Tácito- Leonor Valente subturma 13


               Por vezes, a Administração nada faz ou nada diz acerca dos assuntos de interesse público que tem entre mãos. Tal atitude pode provocar reações por parte da opinião pública que não têm qualquer consequência jurídica. No entanto, existem determinadas situações em que a lei atribui relevância jurídica ao silêncio da Administração, daí resultando a produção de efeitos jurídicos.

               O problema aqui em questão é o que se verifica quando, por exemplo, um particular apresenta a um órgão da Administração um requerimento, no qual solicita que lhe seja atribuída uma licença ou uma pensão a que tem direito, e a Administração nada diz ou nada faz em relação a esse requerimento. No âmbito do Direito Administrativo, a garantia dos direitos dos cidadãos traduz-se no direito de recorrer contenciosamente dos atos praticados pela Administração. Contudo, se não existir nenhum ato, como é que o particular poderá recorrer? De que decisão é que o particular irá interpor recurso?

               Existem duas formas de resolver este problema: a lei pode atribuir ao silêncio da Administração um significado de ato tácito positivo, ou pode atribuir um significado de ato tácito negativo. No ato tácito positivo, a manifestação do silêncio vale como manifestação tácita da vontade da Administração num sentido positivo para o particular. Isto é, se perante o pedido do particular e decorrido um certo prazo sem que o órgão administrativo competente se pronuncie,  a lei considera que o pedido foi satisfeito; No ato tácito negativo, a manifestação do silêncio da Administração é presumida num sentido negativo para o particular. Isto é, decorrido o prazo legal sem que o pedido formulado pelo particular tenha resposta, entende-se que tal pedido foi indeferido. É de salientar que a regra no nosso Direito é de que, em princípio, o ato tácito é negativo. Só existe ato tácito positivo nos casos previstos pela lei.

               À partida, a figura do ato tácito negativo não parece revelar-se vantajosa para o particular, porém, sem esta figura o particular nunca poderia recorrer para tribunal.  Note-se que, se a Administração nada disser acerca do requerimento do particular, isso iria impedi-lo de fazer uso do recurso contencioso. Assim, através do ato tácito negativo, logo que passe o prazo legal sem haver resposta da Administração, o particular poderá recorrer contenciosamente contra o indeferimento da sua pretensão. Neste caso, o tribunal terá a considerar duas hipóteses: ou o indeferimento foi legal, e o tribunal dá razão à Administração; ou o indeferimento foi ilegal, e o tribunal dá razão ao particular anulando o ato tácito. Através da anulação do indeferimento tácito, a Administração constitui-se obrigada a satisfazer a pretensão apresentada pelo particular.

               No presente acórdão que será alvo de análise, o particular, Joaquim, recorreu da decisão de indeferimento do pedido de apoio judiciário, para o Tribunal Central Administrativo Sul, na modalidade de dispensa do pagamento de taxa de justiça e demais encargos com o processo, que deu entrada no dia 4 de junho de 2017. Solicitando que o tribunal declare a nulidade da decisão de indeferimento da Administração. O tribunal, por sua vez, manteve o despacho de indeferimento do benefício de apoio judiciário, por entender que, face aos rendimentos apurados e aplicados os critérios de apreciação, o requerente não tem direito a apoio judiciário. Compete-nos, desta forma, analisar a fundamentação da decisão do tribunal.       

Joaquim solicitou a concessão do benefício do apoio judiciário por requerimento formulado junto da Segurança Social, no dia 26 de outubro de 2016. O primeiro ato que os serviços da Segurança Social praticaram, após a apresentação do requerimento, foi o cálculo do valor de rendimento para efeitos de proteção judiciária, efetuado no dia 2 de março de 2017.

A Segurança social indeferiu o pedido de apoio judiciário no dia 7 de março de 2017, devido ao facto de o agregado familiar ser composto pelo requerente mais um e ao facto de o rendimento líquido anual do agregado familiar ser correspondente a 74063,02€. Referindo que, se o requerente se quiser pronunciar, poderá fazê-lo por escrito, juntando os documentos solicitados, no prazo de 10 dias úteis a partir da data da receção da notificação do indeferimento. Na falta de resposta, a decisão converte-se em decisão definitiva, sendo que a decisão final é suscetível de impugnação judicial, que deve ser enviada ao serviço de Segurança Social no prazo de 15 dias.

Joaquim pronunciou-se acerca do erro contabilístico do rendimento, em vez de 74063,02€, pretendia dizer 24,043€ e, no dia 13 de abril de 2017, solicitou a concessão do benefício de apoio judiciário. O tribunal confirmou o rendimento do agregado familiar no valor de 74063,02€, comprovado pelos documentos juntos ao processo administrativo, concluindo que o requerente não reúne as condições para beneficiar de proteção jurídica nas modalidades requeridas, indeferindo o requerimento solicitado no dia 29 de julho.

Relativamente à fundamentação apresentada pelo tribunal, esta resume-se nos seguintes argumentos: o apoio judiciário fora tacitamente concedido no dia 27 de novembro de 2016, pelo que a Segurança Social não pode indeferir um pedido de proteção jurídica que se encontra deferido; O ato de indeferimento carece em absoluto de forma legal, pelo que a Segurança Social ao indeferir um pedido tacitamente deferido, querendo antes revogá-lo, incorre na nulidade prevista no disposto do art. 161º/2 g) do CPA; Este ato é nulo, segundo o disposto no art. 161º/1 c) do CPA; Sendo que a nulidade verifica-se, também, nos termos do art. 161º/2 a) do CPA, por vício de usurpação de poderes, dado que a decisão de concessão do apoio judiciário compete ao dirigente máximo de serviço da Segurança Social, e, neste caso, o ato é subscrito por Joaquim, técnico superior, sem fazer e provar qualquer referência a hipotética delegação de poderes que é obrigatória; e, por fim, o ato de deferimento tácito formou-se há mais de cinco meses e é um ato constitutivo de direitos, pelo que a sua revogação apenas podia ocorrer no circunstancialismo previsto no art. 167º/2 do CPA, o que não se verifica.

Assim, o tribunal julgou improcedente a presente impugnação, mantendo na ordem jurídica o despacho de indeferimento de 13 de abril de 2017, e considerou que o pagamento de taxa de justiça e demais encargos com o processo são suportados pelo impugnante.

Neste acórdão verificamos, então, a existência de um ato tácito negativo que se formou devido ao silêncio da Administração, nomeadamente, dos serviços da Segurança Social, um indeferimento que, posteriormente, foi considerado legal pelo Tribunal Central Administrativo Sul. É de salientar que a solicitação do benefício do apoio judiciário é algo recorrente na nossa Ordem Jurídica e, como tal, é de extrema importância analisar com a devida cautela as circunstâncias de cada caso concreto.


Segue-se o link do acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul: http://www.dgsi.pt/jtca.nsf/170589492546a7fb802575c3004c6d7d/e1cd173243db516180258183003cf652



Leonor Valente nº66343 subturma 13

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