Análise do Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo - Processo 044693 - Maria Constança Lagarto

No âmbito do Programa Curricular de Direito Administrativo I, irei proceder à análise do seguinte acórdão: 

http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/-/abaf972f3253f80d80256bae002f6d43?OpenDocument&ExpandSection=1#_Section1


O acórdão supra citado releva para o confronto entre a administração pública e a função política do Estado. Trata-se de um recurso, tendo o Município de Loures pedido a anulação dos atos administrativos contidos no Mapa X anexo à Lei nº. 87-B/98, de 31 de dezembro, e pelos quais são atribuídos a este Município e ao Município de Odivelas as verbas de 3.036.994 contos e de 2.009.169 contos, respetivamente, com vista ao Fundo Geral Municipal (FGM) e ao Fundo de Coesão Municipal (FCM). Estes fundos, de acordo com o disposto nos art. 11º e 13º/1 da Lei das Finanças Locais, pretendem reduzir as assimetrias entre autarquias do mesmo grau, tendo em conta o desempenho das suas atribuições. A Constituição impõe a repartição dos recursos públicos entre o Estado e os municípios - art.238º/2 CRP - e ao abrigo do art.10º/1 da Lei das Finanças Locais. Acresce ainda a obrigatoriedade de inscrição anual destas atribuições no Orçamento de Estado - art.105º/2 CRP.

O objeto deste recurso é a impugnação de atos administrativos alegadamente contidos no Mapa X, anexo à Lei n.º87-B/98 (com destaque para o art.9º/4), aprovada pela Assembleia da República em 16 de dezembro de 1998, e que aprovou o Orçamento de Estado para 1999. A autarquia de Loures interpôs recurso uma vez que lhe viu negado o direito a participar nas receitas provenientes dos impostos diretos (tendo em conta os critérios de atribuição de verbas legalmente fixados na Lei das Finanças Locais), pela Lei 87-B/98, aprovada pela Assembleia da República. Nas palavras do recorrente “o estado (sic) não é livre de atribuir ou de não atribuir; tem de proceder à transferência de verbas para aquelas finalidades e de acordo com os critérios de distribuição fixados na própria lei”.

O que se questiona é a legalidade do ato de atribuição da verba de 2.009.169 contos ao recorrido particular Município de Odivelas.

Tendo a Assembleia da República considerado que: “o ato recorrido não é materialmente administrativo, por se inserir na função política do Estado, o que gera a incompetência em razão da matéria do Supremo Tribunal Administrativo”.

O Município de Odivelas alegou não estar perante ato materialmente administrativo, mas sim perante atividade decorrente da função política.

No que respeita à natureza dos atos, é da competência dos tribunais administrativos o julgamento de recursos contenciosos que tenham por objetivo dirimir os litígios emergentes das relações jurídicas administrativas, nos termos do art.º 212.º/3 CRP.

O art.3° do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (E.T.A.F.) considera que "incumbe aos tribunais administrativos e fiscais, na administração da justiça, assegurar a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos, reprimir a violação da legalidade e dirimir os conflitos de interesses públicos e privados no âmbito das relações jurídicas administrativas e fiscais".

De acordo com o art.4º/1 do E.T.A.F., "Estão excluídos da jurisdição administrativa e fiscal os recursos e as ações que tenham por objeto: a) atos praticados no exercício da função política e responsabilidade pelos danos decorrentes desse exercício”.

Segundo o parecer do Magistrado do Ministério Público, a “atividade requerida ao tribunal (no sentido de apenas resolver de acordo com o Direito uma «questão jurídica», ou seja, dirimir um conflito de interesses num caso concreto e de acordo com o direito pressuposto) é tipicamente uma atividade da função jurisdicional/administrativa, pelo que não procede a suscitada questão da incompetência deste Supremo Tribunal Administrativo em razão da matéria”. Assim entende-se não estar em causa a competência do Supremo Tribunal Administrativo.

Urge a necessidade de aferir se o ato em causa se enquadra num ato administrativo em sentido material ou se se trata de um ato decorrente da função política.

A administração pública em sentido material, é, no entender do Professor Freitas do Amaral “a atividade típica dos organismos e indivíduos que, sob a direção ou fiscalização do poder político, desempenham em nome da coletividade, a tarefa de prover à satisfação regular e contínua das necessidades coletivas de segurança, cultura e bem-estar económico e social, nos termos estabelecidos pela legislação aplicável e sob controlo dos tribunais competentes”.

Relativamente à função política, o Professor Freitas do Amaral defende que esta “tem uma natureza criadora, cabendo-lhe em cada momento inovar em tudo quanto seja fundamental para conservação e desenvolvimento da comunidade nacional. Por isso mesmo a política reveste carácter livre e próprio, apenas limitada em certas zonas pela Constituição”.
No recurso, não é impugnado qualquer ato inovador em termos de opções políticas. Coloca-se em causa, a concretização do direito do Município de Loures a participar nas receitas provenientes dos impostos diretos, tendo por base critérios de atribuição de verbas legalmente fixados na Lei das Finanças Locais.

Deste modo, o ato impugnado pelo Município de Loures, é materialmente um ato administrativo.

O Supremo Tribunal Administrativo decidiu pela negação de provimento ao recurso, uma vez que o ato recorrido era um ato materialmente administrativo. Conclui-se que a função política e a administração pública, são distintas, ainda que por vezes se afigure complexo proceder a essa distinção na prática.




Bibliografia:

AMARAL, Diogo Freitas, Curso de Direito Administrativo, Volume I, 3ª edição



Maria Constança Lagarto, nº66503 

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