Análise do acórdão do Supremo Tribunal Administrativo - Processo 0888/16

Estará em análise, ao longo deste texto, o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 12/04/2018, processo 0888/16.

Este surgiu no decorrente de alguns momentos todos ligados à deliberação de 29.01.2010 da Junta Metropolitana do Porto (doravante designada por JMP) quanto aos “pontos n.ºs 1 e 3 A) e B)” que versavam sobre a delegação de poderes da JMP no “órgão constituído pelo Presidente e pelos dois Vice-presidentes da Junta Metropolitana do Porto” e no “Presidente da Comissão Executiva Metropolitana do Porto”. Primeiramente foi o Ministério Público (MP) que instaurou, junto do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto (TAF/P) uma ação administrativa especial para impugnação deste ato contra a Área Metropolitana do Porto e contrainteressados (os sujeitos envolventes no ato), depois o TAF/P julgou a ação procedente anulando a deliberação da JMP. Mais tarde, a Recorrente (a JMP), interpôs recurso no Tribunal Central Administrativo Norte (TCA/N) que negou o recurso e manteve a decisão. Por fim, a Recorrente, invocando o disposto no artigo 150º do CPTA, interpôs o presente recurso objeto do acórdão em análise.

1ª A primeira questão de direito colocada foi a de determinar a suscetibilidade de impugnação da deliberação da JMP de 29.01.2010 que pretendeu proceder à delegações de poderes.

Ora, estabelece-se que a delegação de poderes é um ato jurídico em que um órgão administrativo permite/qualifica outro órgão da mesma ou de outra pessoa coletiva pública para exercer, em nome próprio, aquilo que é a sua competência (os professores J. M. Sérvulo Correia e Francisco Paes Marques defendem que a delegação de poderes é o “ato pelo qual um órgão competente para a prática de certo ou certos atos jurídicos permite a um órgão ou agente, indicado por lei, que os pratique também”). Além disso, determina-se que um ato administrativo é um ato jurídico que é proferido por um órgão administrativo que tenciona produzir efeitos internos relativamente ao delegante e efeitos externos em relação a uma pluralidade indeterminada de pessoas, produzindo efeitos nas esferas jurídicas de ambos delegante e delegado. Assim, deduz-se que o ato de delegação de poderes, apesar de ser, no plano contencioso, caracterizado como ato administrativo com eficácia interna, é imputável per se.

2ª A segunda questão colocada foi a de se o ato de delegação de poderes é ou não, per se, passível de impugnação contenciosa.

Alega-se que o art 51º do CPTA define, como princípio geral, quais são os atos contenciosamente impugnáveis, sublinhando a “eficácia externa” do ato. Além disso, cita-se que os atos administrativos que têm a tal “eficácia externa” são aqueles que sejam suscetíveis de, no plano das relações intersubjetivas, constituírem/projetarem efeitos jurídicos na esfera dos seus destinatários, o que significa que nos atos contenciosamente impugnáveis não se incluem os atos com eficácia meramente interna. O legislador ordinário entendeu que outro tipo de atos e de litígios, como a previsão de litígios “intrasubjetivos” ou “interorgânicos”, que não têm eficácia estritamente externa, também têm garantia contenciosa. Portanto, a impugnabilidade contenciosa serve para atos administrativos com eficácia externa e com eficácia interna, até porque, tal como se enuncia neste acórdão, o facto do artigo 51º nº1 definir que os atos com eficácia externa são contenciosamente impugnáveis não quer dizer que os com eficácia interna não o sejam. Ora, a alínea d) deste artigo admite ainda a impugnação de atos individuais e concretos tenham ou não eficácia externa.

Relata-se também que o Ministério Público, cujos poderes estão constitucionalmente e legalmente investidos (artigos 266º CRP e 3º CPA), não está limitado na sua ação impugnatória pela existência de “eficácia externa” do ato administrativo, daí que terá de impugnar qualquer ato administrativo considerado ilegal tal como o ato de delegação de poderes enquanto ato administrativo “interno”, pelo que é improcedente a exceção da impugnabilidade do ato.

3ª A última questão foi relativa à análise do mérito do recurso no segmento em que no mesmo se impugna o juízo feito pelo TCA/N de confirmação e manutenção do juízo de procedência da pretensão anulatória, deduzida pelo MP que havia sido firmado na decisão do TAF/P. O TCA/N pronunciou-se no sentido de não existir, para conceder a delegação de poderes, uma norma ou lei habilitante, enquanto a JMP defende existir.

A CRP (Constituição Republicana Portuguesa), no seu artigo 111º/2 estabelece que “Nenhum órgão de soberania (…) de poder local pode delegar os seus poderes noutros órgãos, a não ser nos casos e nos termos expressamente previstos na Constituição e na lei.”, ou seja, é necessário que uma lei preveja a possibilidade de um órgão delegar poderes noutro, tal como defendem os professores J. M. Sérvulo Correia e Francisco Paes Marques. Está em causa, portanto, saber se há ou não uma lei habilitante para a JMP poder delegar poderes 1. No seu Presidentes e nos dois Vice-Presidentes e 2. No Presidente da Comissão Executiva Metropolitana.

Em relação a 1. o artigo 15º/2 da Lei nº46/2008 dispõe que o “presidente da junta metropolitana pode delegar ou subdelegar o exercício das suas competências no vice-presidente” e, em relação a 2. a parte final da alínea g) do nº1 do artigo 18º do mesmo diploma legal permite/admite essa delegação de poderes no presidente da comissão executiva metropolitana. Portanto, existe lei habilitante em ambos os casos.

Conclui-se assim finalmente que a o acórdão recorrido e a ação administrativa especial são improcedentes, absolvendo-se a Recorrente (JMP) do pedido feito, portanto a deliberação de 29.01.2010 não é nula e a JMP pode exercer o que estabeleceu nos pontos nº1 e nº3 A) e B), sem mais constrangimentos.

Foi, na minha opinião, a decisão coerente a tomar pelo Supremo Tribunal Administrativo que identificou, não apenas a definição de cada ponto pertinente como a sua aplicação ao caso. São incontestáveis os factos expostos de como é impugnável o ato administrativo com eficácia interna (tal como é a delegação de poderes feita pela JMP), também a impugnabilidade do ato de delegação de poderes e a existência de lei habilitante para ambos os pontos previstos na deliberação da JMP, lei essa que se apresenta, de acordo com o professor Diogo Freitas do Amaral, como um dos três requisitos para existir delegação de poderes, sendo os outros dois a existência de um órgão delegante (neste caso a JMP) e um órgão delegado (no ponto 1 são o Presidente e dois vice presidentes e no ponto 2 é o presidente da Comissão Executiva Metropolitana do Porto) e a prática de um ato de delegação em si.


Bibliografia:

  • Acórdão: http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/-/285bcc9f5db22aa9802582780039f6ef
  • CORREIA, J. M. Sérvulo; MARQUES, Francisco Paes, Noções de Direito Administrativo, vol. I, 2ª edição, Coimbra, Almedina, 2021
  • AMARAL, Diogo Freitas do, Curso de Direito Administrativo, vol. II, 4º Edição, Coimbra, Almedina, 2016


Joana Jorge nº66120 subturma 13

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